31.5.10

O Otimismo e a Esperança

Hoje não há razões para otimismo. Hoje só é possível ter esperança. Esperança é o oposto de otimismo. Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro.

Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração. Camus sabia o que era esperança. Suas palavras: e no meio do inverno eu descobri um verão invencível... Otimismo é alegria por causa de: coisa humana, natural. Esperança é alegria a despeito de: coisa divina. O otimismo tem suas raízes no tempo. A esperança tem suas raízes na eternidade.

O otimismo se alimenta de grandes coisas. Sem elas, ele morre. A esperança se alimenta de pequenas coisas. Nas pequenas coisas ela floresce. Basta-lhe um morango à beira do abismo. Hoje, é tudo o que temos ao nos aproximarmos do século XXI: morangos à beira do abismo, alegria sem razões. A possibilidade da esperança...


autor: Rubem Alves

24.5.10

E como hoje o dia foi indigesto, só a poesia restou... esta aqui acho que me salva:

O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como um malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama,
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...


Alberto Caeiro

Ficções do interlúdio [207], II. Em Obra Poética, vol. único.

18.5.10

"Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data."
João Guimarães Rosa



Sempre entendi a vida profissional como um relacionamento. Não basta currículo, cargo ou salário, é necessário "sinergia". Sabe, comunicação pelo olhar? Assim mesmo.

E como em todo relacionamento, existem altos e baixos. Até as brigas são idênticas, assim como a reconciliação é a melhor parte. Mas, e se estes momentos desaparecem e tudo entra na rotina? É aquela fase onde você questiona a pessoa e ela te responde com "faça como preferir", "tá bom assim" (mas nem olhou), ou a pessoa viaja e você só percebe quando ela retorna... Ficar na empresa até anoitecer apenas para fazer companhia e preparar um chá, compartilhar problemas... não, isto tudo virou lembrança... a apatia torna-se recíproca e as prioridades ficam invertidas.

Você não dorme mais pensando na tomada de decisão equivocada, porque esta preocupação, aos poucos, deixa de existir. Aliás, você não dorme. A insônia assume o lugar.

Uns preferem permanecer assim toda uma vida na esperança de que tudo voltará a ser como antes, outros preferem encerrar a relação antes que o produto ou a equipe morra.

Posso chamar isto de divórcio? Se o termo é aplicado não sei, mas sei que dói assim como qualquer fim de relacionamento.

5.5.10

Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.

Álvaro de Campos


Certa vez, numa tomada de decisão sobre uma possível contratação que eu discordava, meu Diretor disse que intuição de mulher não deveria ser contrariada, porque é batata. E ele estava certo, não falha mesmo.

Ontem um amigo estava apático (engraçado chamá-lo de amigo, porque não o conheço pessoalmente). Aliás, poucos seriam tão atrevidos de tratá-lo assim, afinal, grandes nomes devem ser tratados de forma diferenciada, de preferência, como mestres. Mas eu tomo esta liberdade porque... hmm.... oras, desde quando carinho pode ser descrito com palavras? Ele é meu amigo e ponto.

Todos os dias ele repassa links com informações (e da melhor qualidade), mas ontem não. Ontem ele (praticamente o dia todo) escreveu apenas frases, citações, pensamentos soltos. Todos tristes. Ele me disse que estava bem, que era só uma “mudança de vida e trabalho”. Pensei, deve ter perdido alguma concorrência importante, mas isto seria apenas profissional, se a mudança também era de vida, então a coisa era séria. Mas não o questionei, eu pelo menos, gosto de me desligar do planeta quando algo não sai como gostaria.

Hoje soube o motivo. Minha intuição não falhou, o assunto era sério mesmo. Precisei ler a notícia várias vezes pra “tentar” entender. Mas estava difícil.

O quê dizer numa hora como esta? Acho que o silêncio é mais apropriado. Não, não é. Um abraço, sabe daqueles bem forte? Isto sim seria apropriado, mas o teletransporte ainda não é uma realidade.

Só sei que fiquei triste, principalmente por não poder fazer nada. Quem me conhece há mais tempo, sabe o vínculo que tenho com meus professores de longa data. Sou capaz de largar tudo só pra correr até onde um deles estiver caso eu saiba que a “pressão subiu”, ou que algo os aflige. Me lembro que eu sempre dizia que queria guardá-los dentro de uma caixinha pra evitar qualquer problema e mantê-los protegidos, mas a vida não é assim e também seria muito egoísmo de minha parte.

Neste caso, fica meu abraço (mesmo virtual) e o desejo sincero que você volte, afinal, nada pode parar, de preferência, volte quebrando tudo. Seria uma injustiça privar o mundo de um talento como o seu.