17.11.10

Quem disse que seria fácil?

Faz umas semanas que estou pesquisando sobre... hmm.... nah, sobre um tema aí. Hoje decidi "apresentar" o resultado desta pesquisa e algumas idéias que surgiram após análise dos dados. Viu só, nós de tecnologia também criamos, que história é esta de que não temos conteúdo? rs E aí Google? Você que é a maior incubadora de ideias dos últimos tempos, vai deixar falar assim da gente é? Tem que ver isso aí!

Pois bem, aprovação: 0%. Antes de falar, ainda pensei, se eu que sou uma das mais conservadoras da área, entendo esta nova necessidade, qualquer um vai aceitar fácil. Só que não funciona assim. O engraçado foi escutar: "Isto daria certo com publicitários, funcionários de empresas de tecnologia tem outro perfil" (obviamente lembrei de todos os publicitários que sigo no twitter, ou seja, que karma hahaha).

Fiquei triste. Claro que não é a primeira ideia que foi arquivada, mas acho que mesmo se eu tivesse 90 anos, ficaria triste do mesmo jeito. Cada ideia é única (até as mais tolas), logo, a sensação de "onde errei?" será sempre como a da primeira vez.

Para minha surpresa (algumas horas depois), uma pessoa que não estava na reunião (mas que deveria estar) e que não sabia o que discutimos, me ligou e perguntou qual era meu msn (???). Informei o email, só que estranhei e fui lá verificar. Quando o encontrei, estava todo entretido configurando seu novo messenger e disse: "Quero criar um twitter também, amanhã você me ajuda? Acho moderno ter twitter, não é Ellen?". Foi surreal, só respondi que sim.

Como se não bastasse, ele foi além do messenger e do twitter. Durante a conversa, fez o seguinte comentário: "Disse para a professora da minha filha que está tudo errado. Falei mesmo! Eles querem ensiná-la da mesma forma como aprendi! Aquela escola precisa rever tudo, porque as crianças de hoje são diferentes. O pior é que não vai adiantar mudá-la de escola porque todas são assim." Uma pequena ressalva: a filha dele tem dois anos e adora brincar com os apps do iPhone.

Falei apenas que a observação dele era motivo de uma antiga e eterna discussão entre educadores, infelizmente.

Esta pessoa é um grande profissional, só que não usa gravata, nunca cursou uma universidade, é muito simples, do interiorrr e quem olha não fala que ele tem uma empresa.

Conversar com ele valeu o dia, valeu até o não que eu levei. Não que isto seja importante para alguém, mas eu quis compartilhar mesmo assim.

12.10.10

The Schueberfouer



Belas imagens feitas num Parque de Luxemburgo, próprio para o dia de hoje.

Vídeo by Vitùc

30.9.10

Da série: tô falando sozinha

A letra já diz tudo.
Dica do mestre @ZeLuizNogueira





Ya no se que hacer conmigo
El Cuarteto de Nos

Ya tuve que ir obligado a misa, ya toque en el piano "Para Elisa"
ya aprendí a falsear mi sonrisa, ya caminé por la cornisa.
Ya cambié de lugar mi cama, ya hice comedia ya hice drama
fui concreto y me fui por las ramas, ya me hice el bueno y tuve mala fama.

Ya fui ético, y fui errático, ya fui escéptico y fui fanático
ya fui abúlico, fui metódico, ya fui impúdico y fui caótico.
Ya leí Arthur Conan Doyle, ya me pasé de nafta a gas oil.
Ya leí a Bretón y a Moliere, ya dormí en colchon y en somier.
Ya me cambié el pelo de color, ya estuve en contra y estuve a favor
lo que me daba placer ahora me da dolor, ya estuve al otro lado del mostrador.

Y oigo una voz que dice sin razón
"Vos siempre cambiando, ya no cambiás más"
y yo estoy cada vez más igual
Ya no se que hacer conmigo.

Ya me ahogué en un vaso de agua , ya planté café en NIcaragua
ya me fui a probar suerte a USA, ya jugué a la ruleta rusa.
Ya creí en los marcianos, ya fui ovo lacto vegetariano.
Sano, fui quieto y fui gitano, ya estuve tranqui y estuve hasta las manos.
Hice el curso de mitoligía pero de mi los dioses se reían.
orfebrería lo salvé raspando y ritmología aqui la estoy aplicando.
Ya probé, ya fumé, ya tomé, ya dejé, ya firmé, ya viajé, ya pegé.
Ya sufrí, ya eludí, ya huí, ya asumí, ya me fuí, ya volví, ya fingí, ya mentí.
Y entre tantas falsedades muchas de mis mentiras ya son verdades
hice fácil adversidades, y me compliqué en las nimiedades.

Y oigo una voz que dice con razón
"Vos siempre cambiando, ya no cambiás más"
y yo estoy cada vez más igual
Ya no se que hacer conmigo.

Ya me hice un lifting me puse un piercing, fui a ver al Dream Team y no hubo feeling
me tatué al Che en una nalga, arriba de mami para que no se salga.
Ya me reí y me importó un bledo de cosas y gente que ahora me dan miedo.
Ayuné por causas al pedo, ya me empaché con pollo al spiedo.

Ya fui psicólogo, fui al teólogo, fui al astrólogo, fui al enólogo
ya fui alcoholico y fui lambeta, ya fui anonimo y ya hice dieta.
Ya lancé piedras y escupitajos, al lugar donde ahora trabajo
y mi legajo cuenta a destajo, que me porté bien y que armé relajo.

Y oigo una voz que dice sin razón
"Vos siempre cambiando, ya no cambiás más"
y yo estoy cada vez más igual
Ya no se que hacer conmigo.

24.8.10

10.8.10

A poesia do encontro

Trecho inicial do dvd do livro de Elisa Lucinda e Rubem Alves.


Fragmento 01 por Rubem Alves:

"Fernando Pessoa escreveu a declaração de amor mais bonita e mais profunda que eu conheço.

Quando te vi amei-te já muito antes.
  Tornei a achar-te quando te encontrei.

É uma sintaxe atrapalhada, mas o que ele está dizendo é:

Eu já te amava numa imagem que morava em mim, de modo que encontrar com você não foi me encontrar com você. Foi me reencontrar com a coisa que eu já amava.

Essa é a experiência com a poesia, porque ela repentinamente revela uma imagem que já existia em nós.

(...)

Não é uma experiência de conhecer e sim de reconhecer. Você não se encontra, você se reencontra."

25.7.10

Cussy de Almeida

"One machine can do the work of fifty 
ordinary men. No machine can do the
work of one extraordinary man."
Elbert Hubbard


Ontem a notícia mais triste do dia foi o falecimento do maestro, violinista e compositor Cussy de Almeida. Ele que durante anos encabeçou o projeto Orquestra Cidadã nos deixou belas lembranças e uma grande lição de vida. Assumirá seu cargo de regente provisoriamente o músico italiano Vittorio Ceccanti.

Triste, este mês está bem complicado...


19.7.10

"Pobres dos saberes acadêmicos que eu e você aprendemos 
e ensinamos! Como eles nos deixam desamparados diante 
do Grande Mistério."  Rubem Alves






Dias atrás acordei pensando no Santo Scuderi (ex-matemático da Unisantos) e assim foi o dia inteiro. Ele infelizmente faleceu dois dias depois da minha avó em fevereiro de 2008. Até então desconhecia esse sentimento horrível e como a vida é uma escola, tive que aprender através de duas pessoas muito importantes pra mim e de uma vez só.

Na sexta passada, a mamãe ligou dizendo que minha tia Sandra (minha terceira mãe) estava desenganada pela medicina (cancer evoluído) e que teria só mais uns dias/horas de vida.

Intuição talvez, mas acredito que esta seja a explicação das lembranças do Scuderi. O problema é que não fiz a lição de casa direito, não sei lidar com este sentimento ainda... e pior, não sei ensinar sobre. Minha tia tem dois filhos, sendo o mais novo ainda muito pequeno. Como explicar a uma criança que a despedida da mãe dele será eterna? Não sei explicar a mim mesma a morte da minha avó e do meu professor até hoje!

Por muito tempo, não mexi em nenhum dos arquivos de prolog e as poucas vezes que tento encarar fico pensando em quem irá me ajudar já que pra mim, o Santo era o único gabaritado pra explicar sobre várias coisas. O único professor que nos contava sobre a vida dos matemáticos que fizeram história e o único que nos tirou do sério por inúmeras vezes (rs).

Minha avó era sábia. Acredito que a única que sempre me entendeu, mesmo com minhas manias e fobias (que não são poucas). Não irei estender porque já estou num rio de lágrimas, mas se eu que já tenho idade suficiente pra entender e não consigo, fico pensando nesta criança e em tantas outras que perderam sua mãe ou seu pai tão pequenos. Outros sequer chegaram a conhecer seus pais.

Me sinto uma incompetente por não poder ensiná-lo sobre e me sinto pior ainda quando penso que de três mães (mamãe, vovó e minha tia), apenas a minha mãe é quem estará comigo. Pensamento altamente egoísta, mas é o que sinto.

Carta a um amigo - Rubem Alves

24.6.10

Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante.
Carlos Drummond de Andrade



Já senti saudade de momentos, lugares, música... ah, tantas coisas! Mas é a primeira vez que sinto saudade de pessoas que não conheço, apenas "virtualmente". Como não sei descrever (eu e meu sério problema com as palavras), então deixarei a definição pra quem entende:


Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade,
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada.
Alberto Caeiro


Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Martha Medeiros


A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.
Rubem Alves


Saudade é um dos sentimentos mais urgentes que existem.
Clarice Lispector


ai ai... :(

18.6.10

"Os músicos utilizam de todas as liberdades que podem"
Beethoven


Não viveria sem música... e quando digo que gosto, refiro-me a todos os estilos. Antes que perguntem "até funk?", já adianto: estou falando de música!! Mas obviamente, tenho meu gênero preferido - música clássica.

Ontem comentei sobre "Ode An Die Freude" no twitter e lembrei de um texto genial do Rubem Alves sobre este gênero:


A alegria da música

Eu gosto muito de música clássica. Comecei a ouvir música clássica antes de nascer, quando eu ainda estava na barriga da minha mãe. Ela era pianista e tocava... Sem nada ouvir eu ouvia. E assim a música clássica se misturou com minha carne e meu sangue. Agora, quando ouço as músicas que minha mãe tocava, eu retorno ao mundo inefável que existe antes das palavras, onde moram a perfeição e a beleza.

Em outros tempos, falava-se muito mal da alienação. A palavra "alienado" era usada como xingamento. Alienação era uma doença pessoal e política a ser denunciada e combatida. A palavra alienação vem do Latim alienum que quer dizer "que pertence a um outro". Daí a expressão alienar um imóvel. Pois a música produz alienação: ela me faz sair do meu mundo medíocre e entrar num outro, de beleza e formas perfeitas. Nesse outro mundo eu me liberto da pequenez e picuinhas do meu cotidiano e experimento, ainda que momentaneamente, uma felicidade divina. A música me faz retornar à harmonia do ventre materno. Esse ventre é, por vezes, do tamanho de um ovo, como na Reverie, de Schumann; por vezes é maior que o universo, como no concerto n. 3 de Rachmaninoff. Porque a música é parte de mim, pra me conhecer e me amar é preciso conhecer e amar as músicas que amo. Agora mesmo estou a ouvir uma fita cassete que me deu o Ademar Ferreira do Santos, amigo de Portugal. Viajávamos de carro a caminho de Coimbra. O Ademar pôs música a tocar. Ele sempre faz isso. Fauré, numa transcrição para piano. A beleza pôs fim à nossa conversa. Nada do que disséssemos era melhor que a música. A música produz silêncio. Toda palavra é profanação. Faz-se silêncio porque a beleza é uma epifania do divino. Ouvir música é oração. Assim, eu e o Ademar, descrentes de outros deuses, adoramos juntos no altar da beleza. Terminada a viagem, o Ademar retirou a fita e m’a deu. "É sua", ele disse de forma definitiva. Protestei. Senti-me mal, como se fosse um ladrão. Mas não adiantou. Há gestos de amizade que não podem ser rejeitados. Assim, trouxe comigo um pedaço do Ademar que é também um pedaço de mim.

A música clássica dá alegria. Há músicas que dão prazer. Mas a alegria é muito mais que prazer. O prazer é coisa humana, deliciosa. Mas é criatura do primeiro olho, onde moram as coisas do tempo, efêmeras, que aparecem e logo desaparecem. A alegria, ao contrário, é criatura do segundo olho, das coisas eternas que permanecem. Superior ao prazer, a alegria tem o poder divino de transfigurar a tristeza. Haverá maior explosão de alegria do que a parte final da Nona Sinfonia? E, no entanto, a vida de Beethoven chegava ao fim, marcada pela tristeza suprema de não poder ouvir o que mais amava, a música. Estava totalmente surdo. Mas é precisamente dessa tristeza que nasce a beleza. No último movimento, Beethoven faz o coro cantar a Ode à Alegria, de Schiller. Sempre que a ouço imagino Beethoven de pé sobre um alto rochedo à beira mar. O céu está negro. O mar ruge furioso. Respingos e espumas molham a sua roupa. Mas ele parece ignorar a fúria da natureza. Sorri, abre os braços e rege... o mar. A tempestade não cessa, continua. Mas a fúria se põe a cantar a alegria! Abre-se uma fresta nas nuvens negras através da qual se pode ver o céu azul...

A Nona Sinfonia me faz triste-alegre. Essa é a magia da beleza: ela é um triunfo sobre a tristeza. Feiticeira, a beleza é o poder mágico que transforma a tristeza-triste em tristeza-alegre... É só por isso que eu a quero ouvir vezes sem conta. Porque a vida é triste. E nisso está a honestidade da música clássica: ela não mente. Se soubéssemos disso, se sentíssemos a tristeza da vida, seríamos mais mansos, mais sábios, mais bonitos.

Meu outro amigo português, professor José Pacheco, pastor da Escola da Ponte... (Ele se recusa a ser chamado de diretor. Por isso o chamo de "pastor", aquele que ama e cuida das ovelhas, as crianças. Não seria bonito se os professores se vissem como pastores de crianças?)... conversando comigo sobre a música de Ravel, me dizia que, por vezes, ele fica tão "possuído" que ouve um mesmo CD vezes repetidas, sem parar, não deseja ouvir outro. Comigo acontece o mesmo. A beleza produz uma "compulsão à repetição". Kierkegaard dizia que um amante seria capaz de falar sobre sua amada dias a fio sem se cansar, repetindo as mesmas coisas. Falamos para transformar a ausência em presença. Ao escrever essas linhas, estou tornando presente aquela viagem com o Ademar, a caminho de Coimbra, ouvindo Fauré. E estou de novo com o José Pacheco, conversando sobre Ravel e bebendo vinho.

Há músicas que contêm memórias de momentos vividos. Trazem-nos de volta um passado. Lembramo-nos de lugares, objetos, rostos, gestos, sentimentos... Aquele hino Deus vos guarde pelo seu poder provocará sempre, Jether, a memória do barco seguindo o navio. Lembrar-se do passado é triste-alegre... Alegre porque houve beleza de que nos lembramos. Triste porque a beleza é apenas lembrança... Não mais existe. Mas há músicas que nos fazem retornar a um passado que nunca aconteceu. É uma saudade indefinível, sentimento puro, sem conteúdo. Não nos lembramos de nada.

Apenas sentimos. Sentimos a presença de uma ausência... Fernando Pessoa se refere a uma saudade vazia? Saudade é sempre "saudade de". Mas essa saudade é saudade pura, sem ser saudade de coisa alguma. Será possível ter saudades de algo que não foi vivido?. Octávio Paz descreve uma dessas experiências no seu maravilhoso livro O arco e a lira. Ele diz: "Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todos os dias nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e tempo urbano." (Coisas do primeiro olho!) "De repente, num dia qualquer, a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos." (O segundo olho!) "Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isso que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e quereríamos voltar para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiqüíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Um sopro nos golpeia a fronte. Adivinhamos que somos de outro mundo. É a ‘vida anterior’ que retorna..." Mas esse lugar encantado, onde se encontra? Nunca o vimos e, a despeito disso sabemos que é o nosso destino: queremos voltar. Você nunca sentiu isso, uma saudade indefinível de um lugar encantado em que você nunca esteve?

Na sua Ode Marítma, Fernando Pessoa escreve sobre a mesma experiência. De longe ele contempla o cais e seus navios. "E quando o navio larga do cais/ E se repara de repente que se abriu um espaço/ Entre o cais e o navio,/ Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente./ Ah, todo o cais é uma saudade de pedra." "Ah, quem sabe, quem sabe,/ Se não parti outrora, antes de mim,/ Dum cais, se não deixei, navio ao sol/ Oblíquo de madrugada,/ Uma outra espécie de porto..." Partir outrora, antes dele mesmo?

Há músicas que nos levam para o tempo "antes de nós mesmos" e para lugares onde nunca estivemos. Talvez o que Ângelus Silésius disse para os olhos possa ser dito também para os ouvidos. "Temos dois ouvidos. Com um ouvimos as coisas do tempo, efêmeras, que desaparecem. Com o outro ouvimos as coisas da alma, eternas, que permanecem."

A Valsinha do Chico faz isso comigo. O que a Valsinha canta nunca aconteceu. Está fora do tempo. Está fora do espaço. E, no entanto, está no espaço e no tempo da minha alma. A Valsinha é um "pedaço arrancado de mim". Por isso rio e choro ao ouvi-la. Também a Primeira Balada de Chopin, aquela que o pianista triste e esquálido tocou para o oficial alemão no filme O Pianista. A Chacona, de Bach. A sonata Appassionata, de Beethoven, que Lenin dizia ser capaz de ouvir indefinidamente. Oblivion, de Piazzolla, que tanto comovia o Guido, meu amigo querido, que agora mora naquele "lugar onde as coisas são sempre banhadas por uma luz antiqüíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer".

A música tem virtudes médicas. Cura. Nesse tempo em que todo mundo sofre de stress aconselha-se música do estilo new age para acalmar. Comigo música new age não funciona. Tira-me o stress transformando-me em gelatina. Dissolvo-me em águas indefinidas. Quando estou aos pedaços deito-me no tapete da sala e o que quero ouvir é Bach. A música de Bach me estrutura, devolve-me o esqueleto, põe meus pedaços no lugar. O Bach dos corais, não o dos florais... Há música para os mais variados tipos de doença: Mozart. Beethoven. Schumann. Chopin. Brahms, Ravel. Os médicos deveriam receitar aos seus pacientes, junto com os remédios bioquímicos, a música...

Bom seria se a música clássica se ouvisse nos consultórios médicos, nas escolas, nas fábricas, nos escritórios, nas rádios. Há cidades que têm essa felicidade: rádios FM que tocam música clássica o dia inteiro. Infelizmente não é o caso de Campinas. Mas poderia ser... A música clássica desperta, nas pessoas, aquilo que elas têm de melhor e de mais bonito. Música clássica contribui para a cidadania.

Fico triste pensando naqueles que nunca conhecerão esse prazer. Simplesmente porque a possibilidade não lhes foi oferecida. Eu tive a sorte de ter a minha mãe.

Fonte do texto: site Aprendiz


31.5.10

O Otimismo e a Esperança

Hoje não há razões para otimismo. Hoje só é possível ter esperança. Esperança é o oposto de otimismo. Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro.

Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração. Camus sabia o que era esperança. Suas palavras: e no meio do inverno eu descobri um verão invencível... Otimismo é alegria por causa de: coisa humana, natural. Esperança é alegria a despeito de: coisa divina. O otimismo tem suas raízes no tempo. A esperança tem suas raízes na eternidade.

O otimismo se alimenta de grandes coisas. Sem elas, ele morre. A esperança se alimenta de pequenas coisas. Nas pequenas coisas ela floresce. Basta-lhe um morango à beira do abismo. Hoje, é tudo o que temos ao nos aproximarmos do século XXI: morangos à beira do abismo, alegria sem razões. A possibilidade da esperança...


autor: Rubem Alves

24.5.10

E como hoje o dia foi indigesto, só a poesia restou... esta aqui acho que me salva:

O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como um malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama,
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...


Alberto Caeiro

Ficções do interlúdio [207], II. Em Obra Poética, vol. único.

18.5.10

"Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data."
João Guimarães Rosa



Sempre entendi a vida profissional como um relacionamento. Não basta currículo, cargo ou salário, é necessário "sinergia". Sabe, comunicação pelo olhar? Assim mesmo.

E como em todo relacionamento, existem altos e baixos. Até as brigas são idênticas, assim como a reconciliação é a melhor parte. Mas, e se estes momentos desaparecem e tudo entra na rotina? É aquela fase onde você questiona a pessoa e ela te responde com "faça como preferir", "tá bom assim" (mas nem olhou), ou a pessoa viaja e você só percebe quando ela retorna... Ficar na empresa até anoitecer apenas para fazer companhia e preparar um chá, compartilhar problemas... não, isto tudo virou lembrança... a apatia torna-se recíproca e as prioridades ficam invertidas.

Você não dorme mais pensando na tomada de decisão equivocada, porque esta preocupação, aos poucos, deixa de existir. Aliás, você não dorme. A insônia assume o lugar.

Uns preferem permanecer assim toda uma vida na esperança de que tudo voltará a ser como antes, outros preferem encerrar a relação antes que o produto ou a equipe morra.

Posso chamar isto de divórcio? Se o termo é aplicado não sei, mas sei que dói assim como qualquer fim de relacionamento.

5.5.10

Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.

Álvaro de Campos


Certa vez, numa tomada de decisão sobre uma possível contratação que eu discordava, meu Diretor disse que intuição de mulher não deveria ser contrariada, porque é batata. E ele estava certo, não falha mesmo.

Ontem um amigo estava apático (engraçado chamá-lo de amigo, porque não o conheço pessoalmente). Aliás, poucos seriam tão atrevidos de tratá-lo assim, afinal, grandes nomes devem ser tratados de forma diferenciada, de preferência, como mestres. Mas eu tomo esta liberdade porque... hmm.... oras, desde quando carinho pode ser descrito com palavras? Ele é meu amigo e ponto.

Todos os dias ele repassa links com informações (e da melhor qualidade), mas ontem não. Ontem ele (praticamente o dia todo) escreveu apenas frases, citações, pensamentos soltos. Todos tristes. Ele me disse que estava bem, que era só uma “mudança de vida e trabalho”. Pensei, deve ter perdido alguma concorrência importante, mas isto seria apenas profissional, se a mudança também era de vida, então a coisa era séria. Mas não o questionei, eu pelo menos, gosto de me desligar do planeta quando algo não sai como gostaria.

Hoje soube o motivo. Minha intuição não falhou, o assunto era sério mesmo. Precisei ler a notícia várias vezes pra “tentar” entender. Mas estava difícil.

O quê dizer numa hora como esta? Acho que o silêncio é mais apropriado. Não, não é. Um abraço, sabe daqueles bem forte? Isto sim seria apropriado, mas o teletransporte ainda não é uma realidade.

Só sei que fiquei triste, principalmente por não poder fazer nada. Quem me conhece há mais tempo, sabe o vínculo que tenho com meus professores de longa data. Sou capaz de largar tudo só pra correr até onde um deles estiver caso eu saiba que a “pressão subiu”, ou que algo os aflige. Me lembro que eu sempre dizia que queria guardá-los dentro de uma caixinha pra evitar qualquer problema e mantê-los protegidos, mas a vida não é assim e também seria muito egoísmo de minha parte.

Neste caso, fica meu abraço (mesmo virtual) e o desejo sincero que você volte, afinal, nada pode parar, de preferência, volte quebrando tudo. Seria uma injustiça privar o mundo de um talento como o seu.